sábado, 14 de enero de 2012

MTV e as concepções das audiências: as abordagens de Kaplan, Lewis, Fiske e Goodwin

105 CONTRACAMPO MTV e as concepções das audiências: as abordagens de Kaplan, Lewis, Fiske e Goodwin Paula Rodríguez Marino* * Docente de Ciências de la Comunicação, Faculdade de Ciências Sociales, Universidade de Buenos Aires e Master em Comunicação e Informação- Universidade Federal de Rio Grande do Sul. Este artigo foi apresentado nas “Jornadas 50 años de la televisión argentina”/ GT: Audiencias y recepción na Facultad de Ciencias Sociales- Universidad de Buenos Aires em setembro de 2001 e formou parte da dissertação defendida em outubro de 2000. RESUMO Este artigo analisa as concepções das audiências presentes em alguns dos trabalhos mais representativos sobre a MTV como são Kaplan (1986; 1992; 1993), Goodwin (1992), Lewis (1990) y Fiske (1986; 1989: 1992) e que vinculam-se, desde perspectivas diferentes, com os Estudos Culturais e como os estudos televisivos, pretendendo estabelecer os seus fundamentos, contradições, e relações. Trata-se de um estudo teorico que reconhece algumas implicações nas caracterizações das noções de audiências utilizadas pelas diversas perspectivas e linhas de pesquisa como o Screen Project, as abordagens posmodernistas, as analises musicológicas e de meios de comunicação e cultura. ABSTRACT The objective of this work is to analyze the conception of audiences in the analyses of the MTV, represented by Kaplan (1986; 1992; 1993), Goodwin (1992), Lewis (1990) y Fiske (1986; 1989: 1992). These authors respond to several approaches, from Media studies, Cultural Studies, Screen Project, Musicology and postmodern analyses. In doing so, I tried to identify the bases, limits and contradictions of the works of those scholars. The concepts of audiences are one of the principal issues, which help to understand and to discuss about music videos, music television and MTV. 106 CONTRACAMPO Introdução No conjunto de trabalhos realizados nos Estados Unidos e que têm desenvolvido a problemática da music television, dos videoclipes e da MTV, é possível diferenciar as aproximações que, nas análises textuais, utilizam o referencial teórico proveniente das teorias feministas do cinema (“feminist film theory”) e da psicanálise - por exemplo os estudos de E. Ann Kaplan. Também os trabalhos que se inserem nas análises sobre textos televisivos, como os de Fiske, nos quais o autor não só analisa a MTV, mas inclui observações sobre a cantora Madonna, como construção midiática de uma personagem, e os “modelos” femininos que seus videoclipes propõem. Uma segunda vertente de autores tem abordado esta questão vinculando a análise da textualidade e a análise desde a instância da recepção realizando estudos empíricos sobre as audiências da MTV e dos videoclipes, como Lisa Lewis, que aborda as questões de construção da subjetividade feminina, de modelos femininos e de formas de recepção em relação à música rock e pop. Lewis também utiliza as considerações de Hall sobre o conceito de “leitura preferencial” e o de Fiske sobre o poder semiótico das audiências (1990: 216). Uma outra tendência é a que se ocupa tanto dos aspectos musicais quanto da estrutura de produção da MTV e de seus vínculos com a indústria discográfica. Dentro desta pode-se localizar o trabalho de Andrew Goodwin que, a partir de uma visão crítica sobre os Estudos Culturais, pretende incorporar elementos da Economia Política (a dependência da MTV com respeito à industria musical), em contraposição às análises textuais de Kaplan (Music Video and the Spectator: Television, Ideology and Dream - 1987) e Fiske, entre outros. A partir dos trabalhos de Kaplan (1986; 1992; 1993), Goodwin (1992), Lewis (1990), e Fiske (1986; 1989; 1992) intenta-se estabelecer as linhas gerais e as características que determinam as diferentes concepções das audiências na MTV. Em alguns casos, os fundamentos podem ser contraditórios com a perspectiva teórica escolhida pelos autores. Em outros casos, esses autores eliminam a complexidade das propriedades dos textos e das audiências da MTV ou de qualquer outro canal de music television. Se bem as análises centram-se nos estudos mencionados, são introduzidas críticas e reformulações de alguns deles. Na MTV, segundo as descrições realizadas por Kaplan e Fiske as audiências pretendem encontrar-se com um conjunto de textos fragmentários, editados velozmente, com um forte apelo comercial, hedonismo, niilismo e ausência de racionalidade. Este seria o “horizonte de expectativas” atribuído à music television, onde, aparentemente, o espaço para as atividades das audiências, tanto como produtoras do texto, quanto como estruturadoras do gênero narrativo que estão assistindo, ficaria reduzido. 107 CONTRACAMPO Detrás desses trabalhos, encontra-se uma visão que limita o “poder semiótico” das audiências, realizando, talvez, uma descrição mais verossímil das possibilidades de ação, intervenção e modificação a partir dos textos audiovisuais. Mas, a limitação destas possibilidades também está em relação com a atração para o consumo que a MTV exerce sobre as audiências, fazendo com que as audiências se incorporem num circuito no qual as necessidades e os desejos nunca são satisfeitos. Assim, Kaplan afirma ser essa sensação de insatisfação permanente, renovada a cada videoclipe, que mantém a atenção das audiências (1992: 269). Como se mencionou antes, apesar dessa redução ao consumismo, as abordagens de Kaplan (1986; 1989; 1993; 1992) e Fiske (1986; 1992) destacamse por levar em consideração as possibilidades de reelaboração simbólica que alguns videoclipes facilitam. Estes deixam um espaço aberto para que as audiências interpretem os videoclipes além dos “significados preferenciais” (Hall, 1992a: 134-136) estabelecidos pelo texto. Dificilmente seria possível afirmar que a única razão para assistir à MTV é satisfazer o desejo de consumo ou que a MTV só atrai às audiências pelo seu apelo comercial. A MTV constrói e reelabora discursos sobre a juventude, a música, a sexualidade, as identidades de gênero sexual e os ídolos, entre outros. De outra forma, se a MTV só existisse devido a fatores comerciais, suas dimensões como prática cultural e como ritual ficariam reduzidas e simplificadas. As formas de assistir à MTV modificaram os rituais clássicos de recepção televisiva que estavan predeterminados pelo horário. Outras modificações foram introduzidas pela utilização do controle remoto, gerando diversas formas, mais fragmentárias, de assistir-se à televisão. Estas transformações, introduzidas por novas tecnologias, modificaram a maneira de assistir à televisão antes da existência da MTV. Mas, nos estudos de Kaplan (1986; 1992; 1993), Fiske (1986; 1989; 1992), estas mudanças não aparecem mencionadas, ou lhes é dedicada pouca atenção. Os argumentos destes autores parecem entrelaçados com uma concepção das audiências consideradas mais como “construções textuais” do que como sujeitos reais, inscritos num contexto histórico, que desenvolvem, diariamente, um conjunto de práticas culturais. Leituras e concepções das audiências Apesar de que as “leituras” dependam tanto das características formais dos textos midiáticos quanto das instituições sociais, das posições sociais através das quais o texto interpela as audiências e das audiências efetivas, vários autores, como Fiske e Kaplan, mantêm certa ambigüidade ao definir os destinatários tanto como sujeitos materiais, “reais”, através dos conceitos de “audiências” ou “telespectador” (Fiske, 1989: 16), quanto como 108 CONTRACAMPO construções discursivas, designadas, por alguns autores, com os termos de “viewer” (Fiske,1989) ou “spectator” (Kaplan, 1992: 268). Embora Fiske leve em consideração o poder de ressignificação das audiências, o papel da televisão como instituição e as distintas formas com que um texto interpela as audiências, na análise da MTV feita em Television Culture (1989) falta uma diferenciação entre as audiências como sujeitos históricos e como sujeitos construídos pelo texto. O próprio Fiske a reconhece: “the term ‘readers’ may seem inappropriate for the watchers of television, but it is the term I use most frequently in this book. I also use the related terms of ‘viewers’, ‘audiences’, and ‘audience’ to refer in different ways to the people that watch television” (1989: 16). Apesar de levar em consideração a pretensão homogeneizadora que tem o termo “audiência” - no singular - e a vantagem que neste sentido representa “audiências” - no plural -, Fiske descarta ambos os termos. Assim, afirma que tanto “audiências” como “audiência” supõem uma concepção passiva de quem assiste à televisão. Na sua opinião, são mais adequados os conceitos de “televidente” (“television viewer”) e de “leitor” (“reader”). Para Fiske, “assistir à televisão” (“viewing television”) remete aos aspectos contextuais, à situação social da prática cultural de assistir à televisão, às relações sociais e às experiências dos televidentes (1989: 17). Por outro lado, a “leitura” (“reading”) refere-se à atividade de produção de significados e prazeres e à construção de um novo texto, elaborado pelas audiências a partir do texto “original”. Enquanto o termo “viewer” aplica-se a uma situação concreta e específica, o termo “leitor”, segundo Fiske, refere-se ao processo cultural de construção de significados num sentido geral (id.). Mas enquanto Fiske analisa a MTV, em Television Culture (1989: 250- 255) e no seu artigo no Journal of Communication Inquiry (1986: 10-11; 74- 79), o faz na perspectiva da construção textual da subjetividade do enunciador e elude a menção dos termos “audiência”, “audiências”, “televidente” ou “leitor”. Se bem é verdade que o conceito de subjetividade tem amplitude suficiente para referir-se tanto à construção textual do produtor - e do destinatário -, quanto aos sujeitos reais, Fiske centra-se novamente no texto, esquecendo as audiências. Algo semelhante acontece com Kaplan (1992) quando a autora pretende especificar o conceito de construção textual da subjetividade do enunciador nos videoclipes (especificamente ao analisar o “fenômeno Madonna”) e na MTV, introduzindo os termos de “gênero sexual” e de “identidade”. Kaplan está interessada em analisar como se constróem, nos textos da MTV, diferentes modelos de subjetividade feminina e quais são as políticas de identidade que podem definir-se em função destes. Centra-se, então, na representação de gênero sexual nos videoclipes (1992: 270) e, através de uma análise textual, pretende revelar a construção de diferentes posições de sujeito. Mas também 109 CONTRACAMPO Kaplan é consciente da distinção entre uma aproximação ligada aos “Women’s Studies”, nos Estudos Culturais Britânicos, e aos “estudos de audiências”, e outra perspectiva, com bases no pós-estruturalismo feminista, que é mais textualista (ibidem: 271). A análise de Kaplan parece mais próxima da segunda corrente, ainda que tente estabelecer algumas estratégias que possam ser úteis para desenvolver um trabalho sobre formas não patriarcais e sexistas, nas quais o gênero feminino possa se expressar. Neste sentido, Kaplan, por momentos, confunde a construção textual dos gêneros sexuais (heterossexual, homossexual, transexual, etc.) com as práticas femininas concretas - como se não existisse uma distinção entre o “modelo de leitor construído pelo texto” e as audiências “reais” - como quando afirma que “MTV addresses the desires, fantasies, and anxieties of young people growing up in a world in which all traditional categories and institutions are being questioned” (ibid.: 270). Nem todas as instituições e categorias tradicionais são ou estão sendo questionadas na MTV - como, por exemplo, o sistema capitalista de consumo, o neoliberalismo ou as imagens das cantoras de pop, segundo uma representação tradicional da mulher (assinalada pela beleza física, a “suavidade” e o “romantismo”). A afirmação de Kaplan coincide com uma das estratégias enunciativas da MTV: a que associa a juventude à oposição ao status quo, à rebeldia e à contracultura - que é mencionada por Goodwin (1992). Esta construção da juventude corresponde a visões tradicionais, e até conservadoras, que vinculam as possibilidades de transformação a um período da vida, a adolescência, destinado a ser superado. Seria interessante perguntar se isto não implica em retorno a uma concepção passiva das audiências. No trabalho de Lisa Lewis sobre a construção de posições de gênero na MTV também aparece uma certa confusão entre as interpretações e práticas atribuídas ao “leitor ideal” e aquelas imputadas às audiências reais. Lewis, porém, é a única entre os autores aqui mencionados que complementa sua análise com alguns relatos etnográficos de fãs de cantoras femininas veiculadas pela MTV. O problema de não se distinguir, claramente, as práticas destinadas ou imaginadas para o destinatário - a imagem do receptor criada pelo enunciador - e as práticas das audiências reais é que fica implícita a idéia de uma certa relação de transparência - que não existe entre os “códigos de produção” e os “códigos de recepção”, nem entre o texto e suas audiências, nem entre o discurso e a realidade social (Morley, 1992: 17, 173; Hall, 1992b: 131-132). Também não é possível eliminar esta confusão vinculando, simplesmente, os textos a um repertório particular de discursos e práticas, segundo classe social, vida cotidiana, gênero, religião, nacionalidade, preconceitos, idade, competência televisiva e contexto histórico, econômico e social em que acontece a leitura. Esses fatores não estabelecem uma relação de 110 CONTRACAMPO correspondência entre a leitura do texto e a posição social, a identidade sexual ou a idade das audiências. No entanto, as análises da MTV e dos videoclipes, da music video, em perspectivas feministas como a de Kaplan e Lewis, parecem propor uma correspondência entre o gênero sexual e idade com as leituras. Audiências e textos pós-modernistas Outra forma de analisar como são construídos os “modelos de audiências” - como imagem que o enunciador faz do receptor - nos textos da MTV é comparando-os com outros textos dos demais formatos televisivos ou de outros suportes mediáticos. Por exemplo, Fiske faz uma comparação entre a MTV e o seriado Miami Vice, mais centrada na textualidade, sem levar em consideração a construção de um tipo de audiência específico, como acontece neste seriado, exceto a identificação das audiências com os “leitores” de um texto pós-moderno (fragmentário, supérfluo, com ênfase na moda e no transitório, que ressalta os aspectos comerciais dos textos televisivos, e abusa dos close-up, entre outros características). A categoria de texto pósmoderno carece de utilidade para analisar a MTV por se tratar mais de uma definição regida pelos padrões do “gosto” que por outro tipo de critério. Kaplan (1992; 1993), por sua parte, estabelece relações mais produtivas entre o tipo de subjetividade construída pela MTV e pelo cinema hollywoodiano. A televisão, através de seus “modos de destinação” (“modes of address”), não apelaria à identificação monolítica segundo o gênero sexual, como acontece com o privilégio do olhar masculino no cinema hollywoodiano. Isto implica em que a posição subjetiva construída pela MTV seria mais complexa que a cinematográfica - enquanto esta suporia um retorno a uma idéia de subjetividade quebrada, a MTV proporia uma outra fragmentária, descentrada e “alienada”. A respeito da utilização deste referencial teórico e das análises baseadas no conceito de “pós-modernidade” para entender o fenômeno da MTV, Goodwin (1992: 145) assinala que este referencial carece de utilidade pela sua visão historicamente imóvel e sua negativa em reconhecer que a music television proporciona ao telespectador pontos específicos de identificação. Nesta crítica, Goodwin está retomando - sem explicitá-lo - os reclamos que alguns teóricos dos Estudos Culturais britânicos realizaram ao Screen Project. A imobilidade histórica pode ser aplicada à sua concepção das audiências, desconsiderando a transformação social e histórica das audiências de cada meio de comunicação ou gênero narrativo. Esta tendência pode ser identificada não só com o Screen Project, mas com algumas perspectivas psicanalíticas aplicadas aos estudos de cinema e televisão. No caso da identificação da music television e da MTV com os chamados textos pós-modernos, autores como Fiske e Kaplan também se baseiam numa 111 CONTRACAMPO visão estática, como assinala Goodwin, citando a própria Kaplan: “MTV simply takes over the history of rock and roll, flattening out all the distintic types into one continuous present” (1992: 146). Esta afirmação perde a força considerando as transformações que sofreu a estrutura de programação da MTV norte-americana (assim como a MTV Brasil) ao longo de sua história: mudança da ênfase nos gêneros musicais, segundo o desenvolvimento da indústria discográfica, e o “interesse” das audiências. Parte das características da music television e das transformações que experimentou, do começo da década de 1980 até hoje, estão plasmadas na sua diferenciação da music video e na própria história dos videoclipes. Essas diferenças entre a music television e a music video têm a ver com o fato de que a music television inclui tanto programas não-musicais quanto programas “não clipados”, enquanto que a music video trata-se de um simples conjunto de videoclipes. Os programas não-musicais e não-clipados incorporados a MTV modificaram-se ao longo de sua história, experimentando um aumento ou a desaparição de alguns gêneros em determinados momentos. Práticas de recepção Fiske, na sua análise da MTV, não considera as diferentes formas de recepção e as imbricações com as relações de poder que aí estão involucradas. Só destaca duas formas, que são contraditórias entre si: a da reelaboração simbólica - exagerando o poder das audiências - ou a do consumo de imagens homogêneas e homogeneizantes. Esta concepção dual da instância de recepção e das formas de leitura está implícita nas considerações de Fiske. Esta contradição resulta mais evidente remetendo-se às afirmações que Fiske (1989: 14) faz, no plano teórico, sobre, por um lado, a existência de conflitos nos modos pelos quais os textos se dirigem às audiências, e por outro, a respeito do caráter negociado da maior parte das leituras de um texto midiático e sobre os limites para a interpretação que estes definem. Mas o autor não aplica esta concepção à sua análise da MTV. O texto televisivo é entendido por Fiske como um conjunto atravessado por múltiplos discursos e construções discursivas, assim como por discursos específicos, midiáticos ou não. Esta opinião distinguiria o texto pela presença de contradições derivadas dos discursos. Da mesma forma, são os discursos que fazem a mediação entre a experiência social das audiências e o sentido social (1992: 301-302; 1987: 14). Mas, o mesmo Fiske parece esquecer-se de verificar qual é a multiplicidade de discursos que atravessam os textos da MTV e homogeneiza as leituras, identificando sua própria leitura com as das audiências. Baseando-se em Enconding/ Decoding de Stuart Hall (1992 a), Fiske - como Morley - elabora suas definições de texto, códigos e estratégias de leitura. Este último conceito é complementado com o trabalho de Morley, 112 CONTRACAMPO The “Nationwide” Audience: Structure and Decoding (1980), além de outras releituras e trabalhos de Hall, que lhe permitirão afirmar que a maioria das leituras de um texto mediático, ou de qualquer outro produto cultural, são leituras “negociadas” ou leituras de “oposição”. Fiske toma a noção de leitura de Morley, definindo-a como o momento no qual o discurso do telespectador encontra o discurso do texto. Trata-se sempre de uma negociação entre o sentido social proposto pelo texto e aquele outro derivado da experiência social dos telespectadores (Fiske, 1992: 302; Morley, 1996). A partir desta constatação - e de sua junção com perspectivas semióticas, em especial, Barthes e Eco - Fiske refere-se, em Television Culture, à existência de um “poder semiótico das audiências”: a capacidade destas de reelaborar significados e de negociar e opor-se aos significados dominantes através da luta simbólica. Fiske foi amplamente criticado pelo desenvolvimento posterior desta idéia - em especial, em Reading The Popular (1987) e em Understanding Popular Culture (1989) - sobre o poder de reelaboração simbólica e de oposição das audiências sobre textos mediáticos e outros produtos culturais. Fiske considera, sempre a partir de uma perspectiva teórica, a possibilidade de que os textos e os produtos culturais possam ser o lugar em que se desenvolvem as práticas concretas. De fato, Fiske foi amplamente criticado por ter uma visão “romântica” das audiências e por sua pretensão de elaborar uma “teoria socialista do prazer” em Reading the Popular (Stevenson, 1998). O problema é que Fiske não aplica este critério à sua análise da MTV. Neste caso, existe uma distância entre a postura teórica de Fiske e sua articulação com um fenômeno concreto. Diferente, neste sentido, é o trabalho de Lewis, que pretende levar em consideração a noção de ideologia do gênero do rock-and-roll e a construção ideológica do conceito de “juventude” para vinculá-lo à análise de alguns videoclipes da MTV e ao conceito de audiências. Lewis tenta demonstrar que, apesar, de existir uma construção de imagens que denigrem a mulher na MTV - e que privilegia formas de apelo para as audiências masculinas - existe, no canal, a possibilidade de elaborar estratégias alternativas, sobre a mulher e a feminidade, a essa construção de “significados preferenciais” que trabalham em favor da hegemonia (1990: 215-216). Estas estratégias alternativas são possíveis, segundo Lewis, pela representação da “subjetividade” feminina nos videoclipes de artistas femininas de rock (Madonna, Pat Benatar, Tina Turner e Cyndi Lauper) e da recepção que as audiências femininas fazem destes textos. Lewis preocupa-se em realizar uma análise textual de alguns videoclipes para descrever estas formas de representação do universo feminino e, ao mesmo tempo, interessa-se por estudar estratégias de leitura da figura das cantoras femininas feita por audiências “reais” 113 CONTRACAMPO Lewis não se limita ao nível da construção textual das audiências, como acontece com os estudos dos outros autores mencionados, e compartilha com Kaplan (1993) a idéia de elaborar estratégias de oposição a partir dos textos da MTV. Porém, esta possibilidade não estaria dada para Lewis pelas propriedades textuais dos videoclipes ou pela existência de um estratégia subversiva na MTV, como sustenta Kaplan, mas pelo apoio outorgado pelas audiências femininas às representações alternativas apresentadas nos videoclipes de algumas cantoras de rock-and-roll. Assim, tanto na construção da “posições subjetivas” como para identificar estratégias de oposição, a discussão sobre os limites da determinação textual reaparece nos trabalhos sobre a MTV. Isso significa que a noção de texto utilizada repercutirá na concepção do processo de recepção e na noção de audiências. A esse respeito, Goodwin retoma a idéia do texto televisivo como lugar de luta pelos significados - que estava presente na proposta teórica de Fiske - para fazer referência à relação entre as audiências e os anunciantes. Esta relação está sempre mediada pela utilização das novas tecnologias, como o controle remoto, que permite trocar de canal rápida e facilmente, evitando a publicidade (zapping), e o videocassete, que possibilita gravar os videoclipes excluindo-os (zipping) (1992: 172). Na opinião de Goodwin, estas formas de assistir à televisão são particularmente importantes para analisar a music television, porém Goodwin não desenvolve este aspecto. MTV é um canal para ser assistido de forma interrompida - apesar de ter programas individuais e de estar afastado do formato tipo fluxo -, para escutar a música, observando as imagens só de forma fugaz, ou para centrar-se nas imagens, independentemente da música. O zapping e o zipping facilitam essa modalidade fragmentada na qual as audiências assistem à MTV; trata-se de uma característica que o canal compartilha com outros canais especializados e segmentados (narrowcast) da televisão a cabo. Portanto, apesar da insistência de Goodwin na proximidade que a MTV norte-americana tem estabelecido, desde 1986, com a televisão massiva (broadcasting), caberia perguntar se esta modificação atende mais à grade de programação da MTV que à forma pela qual as audiências a assistem. A pouca importância que Goodwin outorga à instância de recepção, na sua análise sobre a MTV, é um dos pontos menos consistentes do seu trabalho. Em parte, isto se deve a que Goodwin aproxima-se daqueles a quem critica - Fiske, Kaplan-, realizando uma análise quase textual da MTV. Apesar de combinar uma perspectiva textual (aspectos estéticos da MTV e dos videoclipes, construção textual dos artistas de rock e discussão sobre a narrativa, entre outros) com elementos da Economia Política (no que se refere a alguns elementos da estrutura de propriedade da MTV, formas de circulação e consumo dos produtos culturais vinculando-os, em alguns casos, 114 CONTRACAMPO às características do capitalismo tardio ou do pós-fordismo), Goodwin não se detém nas práticas que a music television possa gerar, restringindo-se, também, a uma análise textual. Um dos poucos esforços de Goodwin destinados a levar em consideração a instância de recepção corresponde a suas análises sobre a construção dos artistas da música rock através dos videoclipes, supondo que, a partir de suas afirmações, fosse possível elaborar algumas hipóteses sobre como são interpretadas estas construções pelas audiências, que explicitamente estão fora do estudo de Goodwin. Outro destes intentos de aproximação às audiências aparece quando Goodwin tenta estabelecer alguma conexão entre certas músicas e sons e a memória visual (1992: 51-60). No lugar de descrever interpretações possíveis, Goodwin estabelece uma vaga relação entre memória pessoal, “videoclip imaginery” (idem), para unir os elementos musicais e visuais do videoclipe, na qual, finalmente, sempre prevalece a música sobre a imagem (id.). Na opinião de Goodwin: “first, we can see that any research that wishes to deal with the question of music video frames audiences responses to songs must take account of the complex relations between the video clip and the three elements of the song (lyrics, music, performance)” (1992: 89). Existem diversas contradições nas concepções das audiências nos diferentes trabalhos analisados. Fiske, por exemplo, faz poucas referências às formas contraditórias nas quais a MTV constrói um “modelo” de audiências e ressalta as possibilidades de reelaboração simbólica, por um lado, e o apelo comercial, pelo outro, outorgando pouca importância aos significados negociados entre o discurso dos videoclipes e os das audiências. Kaplan também ressalta as possibilidades de realizar interpretações alternativas sobre a MTV, porém, estas duas visões das audiências, de Kaplan e Fiske, são meramente textuais. Algo semelhante acontece com Goodwin, apesar de suas críticas, neste sentido, aos trabalhos de Fiske e Kaplan. Mas os dois primeiros autores pouco analisam as formas como se pode assistir à MTV ou quais são suas características específicas, além da juventude e o gosto pelas músicas rock e pop. Considerações finais Existe uma polarização na concepção das atividades das audiências a respeito da MTV: por um lado, afirma-se que estão sujeitas ao significados dominantes; e, pelo outro, que teriam a capacidade de opor-se a estes significados. Kaplan e Lewis são aqueles que sustentam esta hipótese, aplicando-a, em especial, às audiências femininas. Ao mesmo tempo, torna-se evidente que a análise das concepções das audiências, nos textos que analisam a MTV, está sempre vinculada a um 115 CONTRACAMPO discurso da juventude como contracultura - inclusive, nos casos em que este aspecto é explicitado, como nos trabalhos de Kaplan, Goodwin e Lewis. Como foi mencionado no início deste trabalho, nos estudos de Goodwin (1992), Fiske (1986; 1989; 1992), Kaplan (1986; 1989; 1992; 1993), Lewis (1991) as questões de audiências vão além da discussão sobre a MTV e a music television, retomando diferentes formas de pensar esses conceitos, presentes nos Estudos Culturais britânicos, na sua versão norte-americana, perspectivas originadas no Screen Project, teorias pós-estruturalistas, em geral, e especialmente, aproximações pós-modernistas e feministas. Assim, reaparecem tanto discussões sobre os limites que o texto impõe à significação, quanto sobre a natureza “ativa” - ou “passiva” - das audiências. Também, os trabalhos sobre a MTV reintroduzem a questão sobre a articulação dos fatores comerciais e dos culturais - como se os primeiros não formassem parte da cultura - e a determinação, ou sobredeterminação, da estrutura de propriedade da MTV e da indústria discográfica sobre a textualidade. Se estes problemas pareciam superados nos Estudos Culturais, o debate sobre a natureza da MTV pode indicar o contrário. Ao mesmo tempo, sugere algumas diferenças entre os Estudos Culturais britânicos e sua versão norteamericana, como um vínculo mais estreito com os Screen Studies e as teorias psicanalíticas, entre outras. Tal vínculo mantém autores como, por exemplo, Kaplan, que provêm da Grã Bretanha, em contraposição a Fiske e Lewis, dos Estados Unidos. Os trabalhos sobre a MTV permitem continuar a avaliação sobre a pertinência e a utilidade das teorias pós-modernistas - que identificam a existência de fenômenos diferentes dos conhecidos até hoje - para analisar fenômenos concretos. Esta não é uma discussão fechada nos Estudos Culturais e, como se tem demonstrado, existem diferentes aproximações dentro deles, incluindo algumas como as de Kaplan e, em certa medida, Fiske, que consideram produtiva a aplicação e utilização de categorias dos chamados textos pós-modernos a novas formas de comunicação midiática. Bibliografia: FISKE, John. British cultural studies and television. In: ALLEN, Robert. Channels of discourse, reassembled: television and contemporary criticism. 2ed. Chapel Hill & London: University of North Carolina Press, 1992. p. 284- 327. __. Television culture. London & New York: Routledge, 1989. ___. MTV: post structural post modern. Journal of Communication Inquiry. Iowa City, v. 1, n. 1, p. 74-79, Winter 1986. GOODWIN, Andrew. Dancing in the distraction factory. Minneapolis,: University of Minnesota Press, 1992. 116 CONTRACAMPO HALL, Stuart. Encoding/Decoding. In: HALL, Stuart; HOBSON, Dorothy; LOWE, Andrew; WILLIS, Paul. Culture, media & language. London & New York: Routledge, 1992a. p. 128-138. ___. Introduction to Media Studies at the Center. In: HALL, Stuart; HOBSON, Dorothy; LOWE, Andrew; WILLIS, Paul. Culture, media & language. London & New York: Routledge, 1992b. p. 117-121. ___.Cultural Studies and the Center: some problematics and problems In: HALL, Stuart; HOBSON, Dorothy; LOWE, Andrew; WILLIS, Paul. Culture, media & language. London & New York: Routledge, 1992c. p. 15-48. KAPLAN, E. Ann. Feminismo/Édipo/Pós-modernismo: o caso da MTV. In: Kaplan, E. Ann (org.). O malestar no pós-modernismo: teorias, práticas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993. p. 45-63. ___. Feminist criticism and television. In: ALLEN, Robert (ed.). Channels of discourse, reassembled: television and contemporary criticism. 2nd ed. Chapel Hill & London: The University of North Carolina Press, 1992. p. 247-283. KAPLAN, E. Ann. Rocking around the clock : music television, postmodernism and consumer culture. London: Routledge, 1989. ___. History, the historical spectator and gender address in Music Television. Journal of Communication Inquiry, Iowa City, v. 10, n. 1, p. 3-14, Winter 1986. LEWIS, Lisa A. Form and female autorship in music video. In: NEWCOMB, Horace. Television: the critical view. New York: Oxford University Press, 1994. ___. Gender Politics and MTV: voicing the difference. Philadelphia: Temple University Press, 1990. MORLEY, David. Texts, readers, subjects. In: HALL, Stuart. Culture, media & language. London & New York: Routledge, 1992. p. 163- 173. ___. Televisión, audiencias y estudios culturales. Buenos Aires: Amorrortu, 1996. STEVENSON, Nick. Culturas mediáticas: teoría social y comunicación masiva. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1998. Palavras-chave 1. MTV 2. Audiências 3. Televisão 4. Análise textual 5. Estudos Culturais

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